AUTHOR: MÁRCIO MAIO
PUBLISHED: 13 AUGUST 2011
AVAILABLE: terra
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Interpretar tipos heroicos é quase uma constante na carreira de Eriberto Leão. Mas o intérprete do mocinho Pedro de Insensato Coração carrega um lado bem mais rebelde e contestador que o apresentado por seu personagem no decorrer da novela. E, no ano em que completa 20 anos de carreira, assume qual a sua maior vontade agora na televisão: encarnar um anti-herói.
"Desejo fazer um mau-caráter mesmo. Acho interessante trabalhar esse lado sombrio", explica. Mas, se ninguém requisitá-lo para outro projeto, Eriberto já sabe qual pode ser o futuro na emissora: a próxima novela de Benedito Ruy Barbosa, que ocupará a faixa das 21h da Globo, mas ainda sem data prevista para iniciar sua pré-produção. "Sou contratado da empresa, não sei o que pode acontecer. Mas já participo deste projeto de alma", garante.
Confira a entrevista abaixo.
TV Press - Nesta reta final de Insensato Coração, que balanço você faz desse trabalho?
Eriberto Leão - Este foi um ano de muito amadurecimento, cheio de mudanças - inclusive pessoais - na minha vida. Encarar um protagonista de um horário nobre e chegar ao final satisfeito é um alívio e um grande prazer para mim. Meu personagem chegou a transmitir uma atitude de que ia se entregar. Ele ficou passivo tempo demais em determinado momento, mas acho que tudo ocorreu no ritmo certo. Essa trajetória me agrada, inclusive porque um herói clássico realmente mergulha no inferno para, depois, ressurgir como uma fênix.
TV Press - Você citou uma época mais passiva do Pedro. Nas ruas, as pessoas cobravam mais atitude do personagem?
Eriberto - Viajei muito a trabalho. E, normalmente, é fora do Rio e de São Paulo que a gente escuta mais coisas. Senti um carinho enorme e uma grande identificação do público. Muitos me pediam para gravar vídeos comigo com depoimentos para parentes ou amigos que estavam hospitalizados. Eram pessoas que tinham desde problemas motores, como o Pedro tinha, até outros casos. E isso se repetiu demais. Fiquei bastante surpreso. Recentemente, reencontrei uma dessas pessoas e o cara falou comigo emocionado, dizendo que eu não tinha ideia do bem que tinha feito para um parente dele.
TV Press - O fato de você já ter interpretado outro personagem que ficou paraplégico por um tempo, emParaíso, influenciou para essa identificação?
Eriberto - Olha, eu nem pensei nisso. Pode até haver alguma relação, mas o Zeca ficou muito pouco tempo assim em Paraíso. Lembro que era até uma cadeira de rodas melhor que a de agora, era elétrica. Mas, em Insensato Coração, o Pedro ficou praticamente metade da novela com os movimentos limitados. E novela das 21h sempre tem um alcance maior mesmo.
TV Press - Quando você começou a gravar Insensato Coração, sabia que demoraria tanto tempo para que os mocinhos finalmente tivessem um romance concreto?
Eriberto - Eu não sabia o que ia acontecer. Acho que nem a direção sabia. Mas esse tempo não me preocupou porque os autores sabem o que fazem. Minha confiança neles sempre foi absoluta. A gente tem de confiar mesmo. Foi minha primeira novela para valer no horário nobre e o público dessa faixa está acostumado a ver muita vilania, mas também pode se encantar por um amor mais puro.
TV Press - Você fala em primeira experiência no horário nobre. Que diferenças pontua entre protagonizar uma novela às 18h, como Paraíso, e outra às 21h?
Eriberto - Novela das 21h é maior, tem mais pressão. A gente grava muito, tudo potencializado. A das 18h mimam um pouco o elenco porque são tramas menores, mais delicadas. E eu fiz quatro. Comecei em O Amor Está no Ar, passei um período fora da emissora e fiz, depois, Cabocla, Sinhá Moça e Paraíso. Eu até tinha feitoDuas Caras, mas só por dois meses e sabia que ia sair por conta da gravidez da Vanessa Giácomo, que era meu par. Entramos para dar um suporte na história da personagem da Marjorie Estiano, que era a protagonista. Não sabia ainda como é protagonizar nesse horário. A resposta é enorme, dá para ver pelo número de campanhas publicitárias que fiz. Você ganha outra visibilidade. O Pedro não é meu primeiro protagonista, é verdade, mas é diferente sim.
TV Press - Você falou de mudanças que aconteceram na sua vida em 2011. De que forma elas influenciaram seu trabalho?
Eriberto - Foi um ano bem marcante até agora. Comecei com a novela, depois meu filho nasceu e, em seguida, meu pai faleceu. Foi muito difícil passar por tudo isso durante uma novela tão importante para a minha carreira. Meu pai não era só um pai, mas também meu melhor amigo e grande incentivador nessa carreira. E ter um filho é maravilhoso, mas implica em uma transformação também e você precisa estar preparado.
TV Press - Você está em cartaz como um bandido no Filme Assalto ao Banco Central. Tem vontade de fazer um vilão também na TV, onde você vem emendando um mocinho atrás do outro?
Eriberto - Eu quero muito. Você acaba fazendo os bons moços e fica sendo considerado também um bom moço. Conheço vários atores que entraram nessa simbologia. E acho engraçado passar por isso quando seu último trabalho na tevê foi interpretar um personagem que era o "filho do diabo", em Paraíso. Um cara de caráter, sim, mas que não era nada passivo. Acho isso genial porque a vilania ali estava na religiosa, a beata interpretada pela Cássia Kiss. O Benedito trabalha com outros perfis, com personagens que transitam entre os dois lados. O Zeca mesmo se casou com a própria irmã de criação e a tirou do Terêncio, papel do Alexandre Nero, que era seu grande amigo. Em Sinhá Moça, eu fazia um abolicionista que queria matar o pai! Meus papéis parecem semelhantes porque fiz heróis. Mas são bem distantes entre si.
TV Press - Hoje, o que você gostaria de fazer na TV?
Eriberto - Uma coisa mais para o anti-herói. E também desejo fazer um mau-caráter mesmo. Acho interessante trabalhar um lado sombrio, como já fiz no teatro. Fiquei em cartaz na peça Fala Baixo, Senão Eu Grito, com a Ana Beatriz Nogueira, e éramos os dois sozinhos no palco. Eu interpretava um assaltante. Mas existe mesmo essa ideia de que eu sou bonzinho. Na verdade, eu sou um cara bom caráter, mas a palavra "bonzinho" hoje em dia soa quase como ingênuo. E isso eu não sou mesmo.
TV Press - E se chamarem você para interpretar outro herói? Como acha que pode reagir?
Eriberto - Não sei. Depende do trabalho, do personagem, de quem fizer o convite, de como ele for feito...existem inúmeros tipos de heróis. Nenhum dos que eu fiz era parecido, por exemplo. No teatro, a gente realmente escolhe o que quer, como quer e quando vai fazer. Estou me preparando há bastante tempo para montar um espetáculo sobre o Jim Morrison, por exemplo.
TV Press - Por que o Jim Morrison?
Eriberto - O Jim Morrison tinha uma necessidade de libertação enorme. Ele representa muito para mim. Meu amor pela literatura veio através dele, quando me apaixonei pela banda The Doors e passei a ler o que ele lia, isso nos meus 18 anos. Foi quando comecei a ler Nietzsche, Rimbaud, William Blake e por aí vai. E me encontrei. É interessante ser considerado um bom moço diante do que leio e penso. Sou dos poetas malditos mesmo! Sou um grande questionador. Por que as pessoas têm tanto problema em enxergar a realidade? Porque dói. E a gente não pode fugir da dor. A civilização é doente. Todo mundo está doente. Olhe ao redor! Nunca se vendeu tanto remédio tarja preta como agora...
TV Press - Chega a ser curioso você se dizer tão influenciado pelo rock e ter uma trajetória recente de papéis mais sertanejos...
Eriberto - O rock nada mais é do que um questionamento, uma atitude questionadora perante a sociedade. O Dimas, meu personagem em Sinhá Moça, era um questionador, um revolucionário abolicionista. Acho isso bem rock. Do filho do diabo eu nem preciso falar, já que o Raul Seixas já dizia que o diabo é o pai do rock. Essa coisa do berrante como instrumento musical, a rebeldia, o cavalo. Mas o diabo do rock não é o do mal. É o questionador. A Igreja sempre utilizou isso para se proteger daqueles que a questionavam. A própria natureza foi demonizada pela Igreja. Você era condenado por bruxarias se tivesse contato com plantas.
TV Press - Por falar em papéis sertanejos, o Benedito já trabalha em cima de um novo trabalho na TV, uma novela. Você está dentro desse projeto?
Eriberto - Somos muito próximos e sei que ele vai falar sobre o Rio São Francisco. O bacana é que minha mãe nasceu em Petrolina, em Pernambuco, às margens do Rio São Francisco. E, ao se falar da história de um rio nos dias de hoje, você toca na questão ambiental. O primeiro discurso ecológico que me lembro de ter ouvido ou visto na TV foi em Pantanal, que já era do Benedito. Me identifico demais com o que ele escreve. Mas tenho pelo menos mais uns três ou quatro anos de contrato com a Globo e tudo pode acontecer. É claro que já faço parte desse projeto de alma, mas a vida está aí. Não sei o que podem querer de mim até lá.
Inspiração musical
Filho do empresário Eriberto Monteiro, que cuidava da carreira de Regina Duarte, Eriberto começou a estudar teatro aos 17 anos. A sugestão veio da família, para que o menino tímido se soltasse um pouco mais. Só que o ator garante que já sentia vontade de experimentar as artes cênicas em função de seu ídolo, Jim Morrison. "Sempre o vi como um grande intérprete. E foi na época em que meu pai produzia a peça A Vida É Sonho, com a Regina. Trabalhei como contrarregra e fui fisgado principalmente pelo contato com o Gabriel Villela, que dirigia o espetáculo", lembra Eriberto, que se formou em Artes Dramáticas e também em Administração.
A estreia na TV ocorreu em 1996, na CNT. Eriberto protagonizou a novela bíblica Antônio dos Milagres, produzida pela Associação do Senhor Jesus, que contava a história de Santo Antônio. Depois, no ano seguinte, viveu o extraterrestre João na novela O Amor Está no Ar, já na Globo. Mas a passagem pela emissora foi rápida, já que logo assinou contrato com a Band e a Record para integrar o elenco das novelas Serras Azuis e Marcas da Paixão, respectivamente. Só em 2004 voltou à emissora carioca, desta vez com o autor Benedito Ruy Barbosa, no "remake" de Cabocla. De lá para cá, os dois já trabalharam juntos também em outras duas adaptações: de Sinhá Moça e Paraíso. "Temos uma relação de amizade mesmo. Mantemos sempre contato e espero poder trabalhar com ele muitas outras vezes", derrete-se.
Em alta
Além de Insensato Coração, Eriberto também pode ser visto atualmente nos cinemas. Em Assalto ao Banco Central, de Marcos Paulo, o ator interpreta o bandido Mineiro. Eriberto ainda trabalha no documentário Aos Brasileiros, que espera finalizar nos próximos meses. "Eu estava no Xingu e um fotógrafo alemão me disse: 'brasileiro não sabe nada do Brasil'. Isso mexeu comigo e fui atrás, pesquisando e descobrindo uma série de coisas", explica ele, que vai mostrar desde paraísos ecológicos desconhecidos a tribos indígenas pouco noticiadas. "Temos as maiores reservas de água e florestas do planeta, mas não damos o devido valor a isso".
Trajetória Televisiva
Antônio dos Milagres (CNT, 1996) - Fernando Bulhões (Santo Antônio)
O Amor Está No Ar (Globo, 1997) - João
Serras Azuis (Band, 1998) - Padre Walter
Marcas da Paixão (Record, 2000) - Ivan Barreto
Cabocla (Globo, 2004) - Tomé
Por Toda Minha Vida (Globo, 2006) - César Camargo Mariano
Sinhá Moça (Globo, 2006) - Dimas/Rafael
Amazônia, de Galvez a Chico Mendes (Globo, 2007) - Genesco de Castro
Duas Caras (Globo, 2007) - Ítalo
Três Irmãs (Globo, 2008) - Robinho
Deu a Louca no Tempo (Globo, 2009) - Alberto
Paraíso (Globo, 2009) - Zeca, o Filho do Diabo
Insensato Coração (Globo, 2011) - Pedro